Quando chega novembro, o ano “já deu”.
Em dezembro, a gente só quer que ele vá embora.
Bom ou ruim, um ano também se gasta.
2022 não foi diferente: ano de muito trabalho (qual não foi?!), de eleições conturbadas, e nem a Copa do Mundo vencemos. Tchau, 2022!
Não quero ser ingrata.
Reconheço que muitas coisas boas aconteceram e seguem acontecendo a cada dia: família saudável, temos casa e comida, minhas crianças-nem-tão-crianças têm a oportunidade de estudar e fazer o curso que queriam, eu tenho um trabalho de que gosto profundamente, amigos preciosos. Na semana passada pude saborear meus doces natalinos favoritos (hmmm!). Quantos privilégios! Que vida rica!
Então por que essa ânsia pelo novo?
É como a vida é: pede sempre renovação. As árvores trocam de folhas, as floradas vêm e vão, os animais trocam de pele, pelo ou de penas – tudo se renova ciclicamente.
A transformação é gradual, cotidiana – mas geralmente não silenciamos o suficiente para poder prestar atenção em nós mesmos. No corre-corre do dia a dia, nosso foco está em acordar, levar crianças pra escola (passei dessa fase, mas você talvez não), trabalhar, fazer compras, limpar-lavar-cozinhar-alimentar, fazer dormir e, no dia seguinte, começar tudo de novo.
A pergunta sobre para onde isso tudo vai nos levar aparece em lampejos, naqueles raros momentos em que paramos um pouco e a consciência consegue nossa atenção, vencendo a rotina que, feito criança que grita mais alto, é sempre atendida primeiro.
Os povos antigos celebravam cada nova estação com rituais e celebrações: a comunidade se reunia e todos tinham que participar.
Nosso descolamento de tradições e ritos coletivos compulsórios nos deixou agora meio órfãos: cada um faz o que quer e tem o direito de ficar sozinho. Faltam a fala do sábio, do cacique, da anciã, do padre da comunidade ou d@ líder da família que convidava à reflexão.
No século 21, na hora da festa, ninguém quer ser perturbado com discurso profundo. Sobram comida e bebida, fogos de artifício e música alta: falta significado.
Os rituais – de fim de ano ou outros que você escolher criar – têm uma função importante nas nossas vidas: nos dar forças para o novo ciclo que se inicia.
São uma oportunidade para reconhecermos o quanto crescemos, para perceber que não cabemos mais na pele velha e sentir para onde este ser que sou hoje quer ir.
Sem o rito, sem parar para olhar o caminho que percorri (se deixo de perceber que a perda A viabilizou a vitória B, que o dia horrível foi seguido, sim, de dias bons) perco a oportunidade preciosa de, em retrospectiva, perceber os ciclos, as marés, os significados. Deixo também de reconhecer que eu venci a culpa, a vergonha, a raiva, o desânimo momentâneos e que, ao seguir em frente, encontrei novas oportunidades, novos amigos, desenvolvi novas habilidades.
Uma nova perspectiva muda tudo! E é isso que as retrospectivas, as celebrações nos permitem: olhar a vida de uma outra perspectiva.
Crescemos a cada experiência, ganhamos um novo contorno, uma nova dimensão. Feito cobra, de tempos em tempos, a velha pele se rompe e precisamos largar a pele velha.
Poderíamos celebrar mais vezes o fim e o início de cada ciclo, a chegada de cada lua nova, cada nova estação, cada tarefa completada, cada novo projeto... Mas geralmente não paramos tempo suficiente para sorver plenamente o significado do que se encerra: só nos atiramos sobre o que ainda está por ser feito.
Parece que um ano é nosso limite.
Depois de 12 meses, o ano velho tem que acabar e precisamos de um novo!
Faça seu balanço. Olhe nos olhos de cada desafio enfrentado e reconheça o que foi assustador, difícil, chato, doloroso.
Depois olhe nos olhos dessa pessoa que enfrentou cada um deles, às vezes assustada, às vezes raivosa, às vezes querendo jogar a toalha, outras vezes empolgada.
Reconheça quem esteve com você na trincheira e agradeça. Agradeça aos presentes escondidos em cada um destes desafios: aprendizados, encontros, superação, pessoas que te acolheram. Você ficou mais forte.
Olhe pra frente e ouse desejar!
Como o pescador que lança a rede, a gente não sabe o que irá pescar no novo ano. Mas se não lançarmos a rede dos nossos desejos, das nossas tentativas, se não arriscarmos de novo, nada acontecerá.
Desejo que nossas famílias – de sangue ou não – possam se ouvir, se acolher.
Que encontremos companheir@s, cúmplices, testemunhas amorosas para a nossa jornada.
Que nossos filhos se sintam bem-vindos, não porque são fofos, mas porque nos fazem crescer e trazem nuances para a nossa existência que nenhuma outra experiência nos daria.
Venha, Ano Novo!
Estamos aqui, pro que der e vier!
A gente se vê em 2023!
Beijo!
Imagem: pexels.com - Karolina Grabowska - @kaboompics
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